terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Frida, muito além

Tiago Nery

~ dica/coisinha: ler ouvindo Viva La Vida - Trio Marimbeiros.

Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, Frida Kahlo para o mundo. Com longos e sempre adornados cabelos com flores ou panos, as grossas e unidas sobrancelhas enquadrando olhos sofridos, enormes saias e meias lhe escondiam a perna coxa. Seqüela da poliomielite aos seis anos, que virou trauma. Traços marcantes de um rosto pertencente a um corpo, um templo sofrido, desgastado por doenças e devotado a apenas um homem: Diego Riviera.

Essa pintora mexicana de obra singular, corrida junto com a sua vida, de traços firmes e por vezes desproporcionais, tem pintura forte, que choca. Há os que a enquadrem como surrealista; definição equivocada. Ela não fugia à realidade em momento algum, não pintava sonhos, pintava vida. Sempre dura e cruel com as doenças, acidentes, traições e eventuais prazeres. A angústia e a dor - o prazer e a morte, não são mais que um processo de existir, disse Frida. Uma mulher de cores e dores, mestiça liberta de si, muito além da época que viveu, dessa época, e presa à sua terra.

Os quadros de Frida são vida e pronto. São fases e faces, pintar completou o viver. Pinto-me por que estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor, afirmou ela. Em uma obra de grande vigor, Frida aparece com o rosto adulto e corpo de criança, sendo amamentada por uma ama. A ama é uma índia nua da cintura pra cima, seu rosto não tem expressão, é uma máscara e de uma das suas mamas sobressaem os canais do leite com ela a sugar. O que há de mais surpreendente é a falta de contato, de emoção entre ela e a ama, contratada especialmente para amamentá-la por conta do nascimento de sua irmã quando ela tinha 11 meses o que a deixou revoltada.

Prefiro não me entreter com títulos ou adjetivos, seria mera definição, limitações de certo. Frida inspira total e completa ausência de padrões, sejam eles estéticos, morais, sociais, etc. Ela que na adolescência pertenceu a um grupo insolente, o orgulho era se apresentar em roupas masculinas. Ela ultrapassa o moderno, torna-se pós-moderna antes da própria chegar, um paradoxo constante. Logo, enquadrá-la como feia, bissexual ou qualquer estereotipo preconceituoso e preso a valores certamente questionáveis, seria um terrível equivoco.

Amor, definido por Picasso como o maior energizante da vida. “Estribe-se no amor e tudo será possível”, Santo Agostinho. Já Florbela Espanca nesse momento parece escrever para ela: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde estar, que tem saudade... Sei lá de quê.”

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