quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

você sente o cheiro do cu do povo?

Tiago Nery

O carnaval de Salvador certamente renderia a Castro Alves uma bela temática de estudo e escrita. Castro Alves foi um baiano abolicionista, um mestre com honras cabíveis pela poesia que produziu. Navio Negreiro é de seus poemas mais extensos e mais belos; rico, plural, doloroso e baiano; quase como o nosso carnaval, quase como os negros (tema principal do poema) no carnaval... Nos traz versos quase contemporâneos e recheia meu texto com sapiência, com estrofes que parecem ter fotografado o carnaval que pula-se com tanta orgasmo e transformado-as no meu objeto de consumo preferido: palavras (dita, escrita, mediada...). Como a elite, em pleno século XXI (homens pós-modernos), quase a mesma do séc. XVIII, que desconhece a não-tênue questão social entre negros e brancos e pobres e ricos em que vivemos.


Era um sonho dantesco...
O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar. Tinir de ferros...
Estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!


Houve o tempo em que o carnaval era democrático (quase, porque em um sistema capitalista nada é democrático, muito menos a política). Houve flexões no sistema de brincar o carnaval na Bahia. Se antes só não ia atrás do trio quem morreu, (porque o trio elétrico conduzia o povo) agora só vai quem pode pagar... E quem pode pagar caro. O mais impressionante é que o circuito Barra-Ondina, lançado pela “engajada” embaixadora do UNICEF, Daniela Mercury, é prioritariamente para a classe média e classe média alta. O povo participa; os pobres, pretos, “feios” e desdentados estão lá também, mas como sempre, às margens, no sentido semântico da palavra e arquitetônico do espaço.


E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

BRANCÃO - Eu estava na Barra, quinta-feira de carnaval, passeando pela pipoca, vendo o movimento, observando os transeuntes e vendo como os negros estavam sendo tratados na capital mais negra do mundo. Capital que espalha fotos ridículas, de um fotografo pífio pela cidade inteira; dizem que o objetivo é o resgate da cultura negra... Faz-me rir: gastam mais de 3 milhões de reais e só me remete à incompetência generalizada, crônica e aguda (como esse dinheiro não poderia ter sido usado...). Como todo brasileiro, nordestino e baiano, sou fruto miscigênico, mas as heranças européias predominam. Sou união de Barletta com Ribeiro com Cetraro com Nery e até da Silva acha na minha família... Minha avó era índio-descendente; tenho uma mãe quase índia com pele clara, um pai quase italiano e sai moreno dos cabelos lisos...

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...


A minha árvore genealógica tinha que estar aqui para tentarmos entender o porquê fui tanto tratado como gringo quando circulei pela pipoca. Os gringos, os de verdade, estavam como sempre curtindo a folia sem maiores preocupações, havia policiais olhando por eles... Quando cheguei a algum pra entrevistar, em inglês, percebi que os vendedores ambulantes começavam a fazer qualquer coisa pra chamar a minha atenção. Resolvi travar diálogo com um deles: “oi, beleza? Você tá achando que eu sou gringo, é?”, perguntei a Anderson, 19, vendedor de cerveja... “Só pode, véi... Esse cabelo, essa cara de gringo, todo brancão... Compre uma gelada aí, véi...”. Anderson me diz que se a polícia tiver que bater em mim ou nele, certamente baterá nele... Mesmo que esteja trabalhando assim como eu também estava...

Já passamos por algumas formas de carnaval. Da segunda metade do século XX para cá, chegaram os trios elétricos que romperam com a festa elitizada dos clubes e mansões. Só que hoje, o trio elétrico é quem atende à elite. Com o passar do tempo, esse trio foi transformado em mercadoria e instrumento de ganho de grana. Então nasceu a corda para cercá-lo, surgiram os blocos pagos, acentuou-se as disparidades sociais... Hoje, ainda é um modelo em crise. Não tem mais como avançar e ele continua excluindo cada vez mais...


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa
Musa, Musa libérrima, audaz!...


NAVIO NEGREIRO - Dentro do cercado, claramente delimitando quem é quem; seja pelo abadá, seja pela pele... Sempre a salvo, protegida, a maioria branca domina. Nas cordas estão os negros. São eles os responsáveis por provocar um paradoxo visual; separar os brancos dos outros negros — que permanecem fora da área limitada ao bloco e, originalmente, são a alma, a cor, o ritmo, as cores, a beleza e feiúra, alegria e tristeza, o sossego e o terror, a paz e a violência do carnaval. O lugar destinado à maioria é, literalmente, à margem da festa, fora das cordas, onde a violência é uma constante — fruto de uma tensão social, da convulsão que vivemos disfarçando e que, simplesmente, não sumiria porque “é carnaval”.

Mesmo assim sobra espaço para a alegria. Disso não há dúvidas, e ela não é pouca, vem das mais variadas formas, mas vem. Talvez a euforia, ou o comodismo, impeça-nos de olhar para o outro lado e ver o que segrega, o que aparta, o que aumenta a distância já tão grande, inclusive, claro, fora da folia. Desta vez, não há bairros, não há carros ou roupas que digam: eu sou elite e você, não. É o mesmo espaço, o ritmo, a cidade, a alegria, o medo e a segurança que o negro cede ao branco (parênteses para quanto se paga por esse serviço quase escravo: 15 reais, água, pão, bolachas de chocolate; luvas e raramente protetores auriculares). A corda nas mãos negras separa as pessoas e vomita em nossas fuças a enorme desigualdade brasileira, principalmente soteropolitana, cidade prioritariamente negra, que faz questão de escondê-los em bairros pobres longe da badalada orla. Apartheid tão real que nem a alegria de um carnaval consegue unir.


São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.


CONTRACULTURA – O espetáculo do carnaval, não menos ridículo que a exclusão sempre presente em Salvador, foi a atitude de completo elitismo do camarote de Gilberto Gil, comandado por sua mulher, Flora Gil. O slogan do Expresso 2222 dizia: "Camarote 2222/Aqui é o novo endereço/torça para ser convidado/até olhar de fora vale a pena". Quem foi e quem é o nosso ministro Gil, um dos mentores da contraculturw baiana, aquele mesmo que trabalha num Governo Federal (poderia eu dizer que trabalha para nós?) em que a frase rápida de fácil entendimento e mais fácil aceitação ainda é: "Brasil, um País de Todos/Governo Federal". Que já andou disparando por aí: "Sou brasileiro e Não Desisto Nunca". Não precisamos sequer ir muito longe, aqui pertinho mesmo, em Salvador; a Prefeitura sugere ser de: Participação Popular.

Nesse caso, de completa alienação e dominação, é justo citar Carlinhos Brown, que também fala em apartheid na festa; ele, que, depois de alcançar sucesso, lasca o verbo com quem pisou nele: a elite. Depois do Camarote Andante (paradoxal a idéia e, com certeza, não menos proposital), este ano a novidade da festa é o Bloco Pipocão. Em um Carnaval que caminha acentuando cada vez mais as desigualdades entre as pessoas que nele estão, qualquer iniciativa que lembre dos sem abadás e sem camarote - logo, a não-elite - soa como forma de “burlar” o sistema comercial da festa e serve para distinguir artista de mero cantor de bloco ou de trio e ministro de mero coadjuvante passivo. Mas, já que é Carnaval, mais uma vez vamos fazer de conta que tudo é festa, que ano que vem melhora, que “faz parte”, que é culpa de Lula...

BANDEIRA EMPRESTADA: Ninguém melhor do que Castro Alves, repito: tão distante e tão contemporâneo, pra finalizar a análise dos negros ou pobres ou sem abadás ou tudo junto do carnaval soteropolitano. Somos o povo que empresta a bandeira que cobre a infâmia e covardia, que transforma tudo em festa e que contesta a bandeira quando nos falta... Silenciamos, passíveis de uma aliteração numa estrofe que fala de Brasil, brisa, beijo e balanço. Pois é, quase como o carnaval, quase como um navio negreiro...

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...


Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

gonzo no carnaval II

Tiago Nery

Foi só ACM perder sua hegemonia, que as principais notícias, nos meios de comunicação comandados por ele ou não, da folia baiana não foram nada boas. E ver cenas de violência, roubos e furtos variados deixa qualquer um em pânico. Sair com essa impressão não é nada bom, mas saímos na segunda noite de apuração do carnaval baiano. Pós-trauma do Porto da Barra (que em anos de carnaval nunca vi mais marginal), resolvemos ir pelas ruas da Barra até os camarotes, para mais uma noite de badalações, famosos, cabelos lisos (e loiros), beijos, roupas caras, drogas, dance music, trance e axé music.

O que havia sido facílimo antes, agora era o inferno em terra: a maioria dos camarotes não nos deixou subir; as desculpas eram as mais variadas e nem sempre convincentes. Expresso 2222, às seis da noite, nos informa que a entrada da imprensa é só às 19:30. Dada a hora, voltamos e, como promessa, ouvimos que "talvez conseguíssemos entrar às 23 ou 23:30...". Daniella Mercury, de tão antipática que é, tem até uma assessora – que no primeiro dia havia sumido - que é tão ou mais insuportável do que ela: a imprensa só entraria se estivesse cadastrada no camarote, nada de cadastros na Prefeitura, me disse com rostinho de esnobe. Bem, começava a chover e tínhamos em punho uma máquina e nosso objetivo ali não era tomar chuva na rua...

Continuamos a andar na reta e tentávamos achar possíveis explicações pra esse bairrismo com a imprensa local - o que é uma bobagem tremenda. Mas viva o Brasil e a sua democracia (burocracia – burros-cracia, misturando latim e português: governo de burros). Mais um camarote à vista: Camarote Energia, bancado pela Petrobrás. Na entrada, depois de muito blá, blá, blá, bate rádio, chama gente e espera, aparece Cristina, a simpática assessora que nos permitiu a entrada. O Energia tem influência da nova proposta do Presidente Lula, as fontes renováveis de energia. A decoração é mais Brasil impossível: cores fortes, plantas pelos ambientes, negras belíssimas trajadas à la Ilê Ayê, trancinhas e massagens (sem trocadilhos com ‘massagens’, por favor).

O que me impressionou e que não vi em nenhum outro camarote, pelo menos os que me deixaram entrar, foi - digamos assim - a responsabilidade social deles. Havia rampas de acessibilidade por todo o camarote - deficientes se locomoveriam sem maiores preocupações. Já na entrada, as belas negras, entregavam somente às mulheres uma bolsinha com dois preservativos. Conversei com Verônica, a dona da empresa que montou o camarote e ela me explicou como tudo aquilo funcionava. Foi uma explicação bem amarrada; na fala dela tinha desde assessoria de imprensa da Petrobrás até semiótica das novas tecnologias, gostei mesmo.

Mas já era mesmo hora de ir. Próximo destino seria o camarote do Jamil, Sou Praieiro. Combinamos com a assessora que voltaríamos para fotos do local e foi o que fizemos. Depois de quase 20 minutos, convencendo o segurança a chamá-la, ele finalmente foi. Magali desceu e nós subimos. Algumas fotos, entrevistas rápidas, revi Gustavo, amigo de faculdade, revi Tiago Souza amigo da época de escola (todos trabalhando, mas ganhando, já o de cá...). Agora, era hora de beber (hidratar), comer e recarregar as baterias com sanduíches AM-PM, Sonho de Valsa e sorvetes Haagen-Dazs... Por conta de empecilhos na entrada, perdemos o melhor do camarote: a parte em que Jamil fazia uma brincadeira com as pessoas no seu camarote...

Pra onde ir agora? Ondina? Resolvemos tentar com a belíssima Alessandra, mais uma vez, entrar no Oceania e conseguir mais uma entrevista. Entramos, como eu já disse, mas volto a afirmar: estava um inferno. Vestimos a blusinha da imprensa e subimos. Camarote lotado e a mesma coisa do dia anterior: corpos sarados, cabelos lisos e roupas caras.
Como o ambiente já era conhecido, fomos tentar uma entrevista com Toni Garrido: em vão. Na entrada do toalete, a mulher dele me diz que ele daria uma coletiva no final do show. Mas o final do show seria dali a pelo menos duas horas e nós tínhamos menos de 20 minutos no camarote. Fomos embora com muitas fotos na máquina. A maioria dos posers que queriam porque queriam ser fotografados; pouco importa onde vai ser veiculado. É imprensa!!!

Descansando em pé na porta do camarote Oceania, me dou conta que estou a poucos metros do Beco da Off (Off Club, boate gay mais freqüentada da cidade) e surgem personagens verdadeiramente folclóricos, quase míticos... Os gays e lésbicas estavam super à vontade celebrando o carnaval. Havia um homem enorme, quase dois metros de altura; era um mulato forte de cabelos raspados com colares de Gandhy, turbante, bota e calcinha branca, só isso mesmo; pulava, dançava, descia e subia do chão freneticamente, causou um verdadeiro frisson ao redor.

Fomos até o Expresso 2222 (afinal, já eram 11 horas e o máximo que podíamos ouvir era um não; um sonoro e maldito não...). Lá, meu espírito jornalístico se uniu ao dom da mentira de um tio meu. Disse pra uma assessora (diferente da que havia me atendido antes), que a anterior havia mandando ela nos dar a credencial às 11 horas. Muito fácil: entramos. Depois, pedi perdão a Deus por ser um menino mau (aliás, dizem que meninos bons vão pro céu e meninos maus vão pra qualquer lugar.). Foi válido: fui pra Expresso 2222, que não chega a ser qualquer lugar...). Lá, foi o camarote mais badalado visto até então por mim, e olhe que sou rodado de carnaval. São três andares e, à medida que vai subindo, vai refinando até chegar em uma área 'vipérrima' que, pra entrar, tem que ter pulseira especial, onde nem todos do próprio camarote têm acesso. Eu, claro, tive mais de três vezes... Bem servido, com escadas em mármore, bebidas e comidas mais que à vontade, lá foi o camarote das celebridades. No sábado, dia 18, estavam lá Regina Casé (que merece parênteses por ser tão antipática, mal educada e boçal; uma verdadeira farsante 'midiática', típica carioca bairrista), Reynaldo Gianecchini, Preta Gil, Gilberto Gil, Cléo Pires, Lulu Santos, Júnior e a namorada (sic), Gisele Itié, Douglas Silva (Acerola de Cidade dos Homens) e outros...

Para Gisele Itié, era o quinto carnaval e estava adorando. Simpática e linda, se divertiu quando eu disse que era o meu vigésimo carnaval... Bem como Cléo Pires (confesso a tietagem: pedi foto e ganhei até beijo e carinho no rosto porque a chamei de maravilhosa, ui, ui...). Ambas extremamente diferentes de Preta Gil, que precisou subir no freezer e descer até o chão com dançarinas trajando calcinhas intra-uterinas fazendo movimentos lascivos de vai-e-vem e sobe e desce; as três juntas, um horror... Junior parecia um dois de paus postado ao lado da namorada (sic). As celebridades fizeram a ala VIP bombar por quase uma hora. Eu, que estava do outro lado, acabei pulando o balcão e caindo dentro do bar, expulso, cai do outro lado. Sem pulseira, sem lenço, mas com documento fiquei mais de 6 horas no Expresso 2222.

Mais uma vez meus tênis acabam com meu pé. Dessa vez, eu estava com os pés feridos de horas em pé e andando pra cima e pra baixo. No segundo andar, prestes a ir embora, Dani tentava usar o microondas pra esquentar um Hot Pocket Sadia, Anna Carolina (Anna com 2 ‘n’) acabou ajudando-a e nos tornamos amigos de infância lá mesmo (conhece o álcool?). Rimos e brincamos, descansando à beirada de uma banheira de gelo que quase arrebenta. Carnaval tem dessas coisas, é [quase] tudo fácil e não é só beijo na boca, pegação e fazer filho... Mas uma coisa é certa, a elite é quem domina a festa: sem o risco, claro, da polícia.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

gonzo no carnaval I

Tiago Nery

Carnaval na Bahia. O ano todo você tem influências clássicas; ouve rock, folk, blues; os lisérgicos e alucinantes Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix dentre outros do tipo. É culto, inteligente e bem-humorado, não obstante basta soar o alerta carnaval que com uma credencial no pescoço já se prepara para a festa mais segregacionista do mundo. Na verdade sai no maior estilo Maria Bethânia: “bicho livre, sem rumo, sem laço...”. Primeiro carnaval como aspirante a jornalista e eu queria produzir cerca de 4 matérias, por dia. Tentaríamos (eu e Dani – também repórter ABAN) os badalados camarotes da Barra e Ondina, passeando também pelo verdadeiro carnaval: a pipoca.

Concentração: 8 de dezembro, casa de Dani. Descendo rumo ao Porto da Barra, logo de cara me debato com um japonês sendo assaltado a mão-armada. Fiquei assustado e o Porto estava muito “barra pesada”... 20 minutos depois e estávamos na entrada do camarote Oceania tentando com a belíssima Alessandra (responsável pela entrada da imprensa e dos convidados) entrar só “pra dar uma olhada”, coisa rápida... Eis que surge Mônica Carvalho (a assessora-mor do camarote – e amiga de amigos), nos liberou e sugeriu: “Jauperi acabou de chegar...”. Penso eu: conseguiríamos uma entrevista com Jauperi? Improvável demais, vamos ver a badalação, pegar uns depoimentos, tomar um pro-secco ou uma cerveja ou os dois, comer uns frios, dançar e pular pro próximo, afinal não podíamos demorar muito...

O camarote Oceania era o reflexo da festa dentro da festa. Corpos sarados, bronzeados, cabelos lisos e roupas caras passeando; uns no maior estilo poser, outros nem tanto, muitos se divertindo mesmo. O clima era agradabilíssimo e a festa estava muito bem servida, iluminada; vários ambientes com sons diferentes, alguns artistas globais e até tapete vermelho na entrada triunfal. Minha primeira fonte foi Paola, 45, italiana. Cedeu-me uma entrevista em inglês dizendo que era a primeira vez que estava no carnaval e que estava feliz: “estou adorando essa loucura, que festa louca!”, disparou aos risos, saltitante e feliz.

Percebi que haviam muitas pessoas trabalhando na festa e profeticamente a voz do coordenador da Agência surge em meu ouvido: “tudo o que você ver é pauta, querido”, ok Walter, vamos averiguar a situação dessa galera. A festa é setorizada: há os garçons fixos que ficam em mesas servindo bebidas prontas e outros que ficam passeando com a bandeja na mão servindo os convidados com vodka, cervejas... Eles ganham em média 75 reais por noite e ainda conseguem curtir a noitada badaladíssima, ainda que seja com bandejas em punhos...

Alessandra estava sempre passeando pelo camarote, perguntou-nos se havíamos visto o Murilo Rosa, disse que sim, mas que ele estava num lugar meio escondido, difícil de chagar... Ela nos relembrou Jauperi e disse que iria conseguir uma entrevista com ele. 10 minutos depois ela nos avisa que teríamos uma entrevista em 15 minutos com o cara. Corremos pra um pufe pra improvisar algumas perguntas, corremos mais ainda atrás de computador pra uma busca sobre ele: em vão, todos estavam ocupados. Feita a entrevista, adentramos no camarim depois de algumas explicações e a entrevista foi muito boa. Jauperi é simpático e acolhedor, foi muito gente boa e contribuiu com o que pôde.

Quando soou o alarme, nosso tempo com a credencial provisória já havia se esgotado, Alessandra mais uma vez nos livrou de ir embora e nos deu outra credencial de um jornalistas americanos que iriam embora... Mais 20 minutos assistindo ao show do Jauperi e teríamos mesmo de ir embora... E fomos.

Por incrível que pareça foi mais fácil do que eu pensei, no primeiro dia, a entrada nos camarotes. Consegui ainda o Sou Praieiro, do Jamil e o de Daniella Mercury. No de Jamil uns conhecidos, todos trabalhando como eu (a única diferença é que eles ganhavam, e eu não). Um grupo estilo ONG, Grupo Vida, preparadíssimo até para reanimar uma pessoa morta!

A decepção da noite, pelo menos em partes, foi para o camarote da antipática Daniella Mercury... E para ele separo um parágrafo inteiro. O ambiente é enorme, claro, com o dinheiro arrecadado... Parecia mais um baile de fantasias, as pessoas trajavam roupas e fantasias variadas e o público era basicamente GLS. Mais uma vez a credencial me facilitou a entrada em uma varanda mais do que VIP que dava pra ver o camarote sem apertos; ao lado de Lícia Fábio e de alguns fotógrafos de site e revistas famosos...

O melhor da noite mesmo foi descobrir que meu tênis, companheiro de mais de 5 carnavais já não agüentava mais o pique do dono e desmontou enquanto eu desci os váááários degraus pra ir ao banheiro; literalmente a sola largou e eu precisava dar um jeito naquilo. Sentei e, do céu praticamente, surge uma mulher com um rolo de fita crepe na cintura. Bem, tem certas coisas que só acontecem uma vez na vida da pessoa. Na minha já haviam acontecido pelo menos 2: entrar no camarote de Daniella como repórter e o tênis arrebentar lá dentro. A terceira e óbvia era: aparecer alguém com uma fita pra prender meu tênis, claro... E foi o que a cantora, compositora, produtora cultura e, na hora, amarradora de tênis fez. Viva foi um amor comigo e meus pés ficaram bem presos no sapato. Depois dessa eu só tinha uma coisa a fazer: voltar pra casa. Chovia e minha amarração não duraria mais tanto tempo de festa assim...

Táxi em Salvador no carnaval é como muçulmana de biquíni em Copacabana, mais impossível, impossível. Todos cheios e quando tinha algum vazio os desgraçados escolhiam o destino mais longe pra cobrar mais e ganhar mais. O dinheiro, sempre ele...
Fui andando da Barra até depois do Isba, onde moto-táxi buzinavam oferecendo seus serviços. Bem, eu odeio moto, tenho pavor, ojeriza e meus músculos travam só de pensar quando cai e abriu um corte no meu cotovelo esquerdo... Mas o cansaço e a vontade de adentrar em minha casa foram maiores e por míseros cinco reais, subi numa garupa e vim, de moto, pra casa.

Foi maravilhosa a minha primeira noite como jornalista, repórter, estagiário, folião e etc. Vi que há muitas trocas em jogo numa entrada da imprensa num camarote. Os mais badalados são os mais bobos, todos querem de alguma forma impressionar, uns não podem ver uma máquina, artistas nem sempre são simpáticos e lindos como na televisão e carnaval, definitivamente, é pra quem é elite, é pra quem pode pagar e dificilmente a policia vai descer o cacete.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

2/2 não só números que se repetem

Tiago Nery

Eu vi nas últimas 2 décadas mulheres "recebendo o santo", uma na caçamba de uma pick-up estacionada à porta de minha casa; homens e mulheres em volta dela, segurando-a e dizendo: "é minha mãe, Odoyá! Salve rainha...". Um(a) travesti charmosíssima com os "seios" à mostra dançando e, digamos assim, à procura de um homem ideal; e estava tão decidida(o) a encontrar o ideal que dispensou vários não-ideias dizendo: "só quero dançar, sai...".

Dancinhas lascivas com movimento de vai-e-vem nas vielas da rua do Meio. Loiras e negões, negões e loiras, loiras e loiras, negões e negões; todos juntos... Uma libertinagem sexual estúpida... Não que eu seja contra ou reprima nada disso, afinal: são manifestações populares, cultura.

Mas Yemanjá e o Camdomblé ficam em segundo plano. A religião originalmente do negros que até hoje é mistificada, mudada de assunto e entoada ao som dos clássicos: Deus me livre e guarde, sangue de Cristo tem poder, Ave Maria mãe de Deus, Salve Rainha, tá repreendido em nome do senhor, tá amarrado, etc... A festa começa desde a madrugada, nas barraquinhas às duas da manhã, lá estão aqueles que sentem a religião, que vestem-se de branco com um propósito e que acreditam no que fazem.

Eu acho o Camdomblé lindo, acho todas manifestações válidas e caio na putaria todo ano também; só que tenho uma relação de respeito com a festa; nasci no Bomfim e cresci no Rio Vermelho, mais raiz impossível. Sou de Salvador, da Bahia; tão cosmopolita que só aqui acontece uma festa de cunho negro, num bairro de classe média, classe média-alta (predominantemente branco), em uma aldeia de pescadores e ao lado de uma Igreja Católica (caótica)... Ah! Diz aí, a Bahia é, ou não é, linda?

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

contraste




Tiago Nery/San Midlej (fotos)

~ dica/coisinha: ler ouvindo de esquina - Cássia Eller

Um aluno idiota perguntou: porque os fotógrafos profissionais usam mais filme PB? A professora idiota respondeu ao idiota: filmes PB facilitam o trabalhar com o contraste! (Aleluia, até que enfim alguma coisa que servisse numa aula teórica cansativa e idiota.

É verdade... E enquanto os pobres da cidade alta (inclusive a cretina classe média que só quer privilégios) arrogantemente querem um metrô, veja só a audácia; um metropolitano em plena Salvador, a soterópolis dos mais medícores, tão segregacionista que só 15 km da cidade é utilizável... Enquanto isso, a cidade baixa vai de trem e muito bem.

Quer dizer, nem tão bem assim. "Se você encostar a cabeça no 'vrido' pra descansar, é capaz de levar 'predada' na cabeça...", me contou Beto, o pintor falastrão aqui de casa que todo dia anda de trem. É, nem tudo são flores. Mas vamos combinar: as fotos por San Midlej ficou muito show.Eu dei só uma diagramada e brinquei com o enquadramento delas....

de esquna - Cássia Eller

Esquina, paranóia delirante/Atrás de uma farinha loucura, na pane... seqüencia dum papel/Não curto isso aí, mas tô ligado na parada que domina por aqui/Fumando um baseado, curtindo de leve/No pagode lá da área, eu tô esperto/No movimento que se segue, segue e vai/Eu vou levando, eu vou curtindo, até não dar mais/Tudo prossegue normal, até onde eu sei/Enquanto isso é a melhor cerveja que vem/Leva essa, traz mais uma e põe na conta/Tô sem dinheiro, tá valendo, eu tô a pampa/São várias delas passeando por aí... mas e aí/No balançar, no psiu, dentinho vem a mim/Meu 71, sei que é bom, dá pra convencer/E essa noite, ai, meu Deus, eu vou comer/A fuleragem predomina, e rola solta/Um tititi, um auê, e aí... mas e aí/No goró eu viajei, já tomei demais/Paranóia delirante eu tô na paz...