terça-feira, 30 de janeiro de 2007

vaginas ou bucetas?

Tiago Nery

~ dica/coisinha: ler ouvindo Clitóris - Titãs.

Vaginas e bucetas: entre e fique à vontade, só não fique à vontade demais pra não acabar antes do tempo. Vou falar de vaginas e bucetas, sim elas mesmas; na verdade, ela mesma. Tá, sendo mais politicamente correto: o órgão sexual feminino, a concha dita pela mamãe e aquela coisa que a vovó achava que, se encostasse em um homem (vestido e com tudo no lugar certo, por favor; sem alterações), engravidaria. Essa revolução textual nasce a partir da seguinte piada: duas vaginas estavam dialogando. Uma vira pra outra e diz: Ei, bandida, você é virgem? E a outra responde: NÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOO!!!! Sim, acabou a piada. O NÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOO é com o bocão aberto, o bocão não mais virgem...

A partir dessa explanação, cheguei à conclusão de que não eram vaginas que estavam dialogando, eram bucetas. Vaginas são sempre educadas, delicadas, rosas e depiladas. É importantíssimo os grandes e pequenos lábios estarem sempre retraídos numa posição pudica e extremamente sexual. A ponto de deixar qualquer exemplar do sexo masculino em ponto-de-bala. Sexual, sim, mas não vulgar, afinal vaginas não são vulgares, são sensuais, conservadoras e só fazem no papai-e-mamãe. Sei também que essas são as que fazem pior e saem por aí contando vantagem e fingindo serem satisfeitas sexualmente. Bobinhas. Elas são chatas porque não “dão”, acham antropofagicamente não-certo (não quero falar incorreto) e, se derem, sentem-se desprovidas da emancipação feminina que diz que: mulheres não dão, elas são conquistadas. Ora essa, precisa-se agora conquistar até mesmo vagina?! Ai, vaginas, vocês são enfadonhas; não puxam pelo cabelo, não mordem as orelhas, vestem baby-doll e fingem orgasmos... Cansei de vocês, mas não desconfie da minha sexualidade (hoje em dia tão tênue, eu confesso). Mas que buceta! (veja como é mais sonoro e gostoso de soltar, até pra isso elas são melhores). Esse tipo de problema só acontece com as vaginas, não com as bucetas.

Bucetas não estão nem aí nem aqui pra nada. Podem até ser como as vaginas: depiladas, rosas e retraídas. Mas os grandes e pequenos lábios saem para fazer a festa, não tem essa de conservação; se for pra conservar algo, que seja o orgasmo pleno, de revolucionar como o sistema chamado corpo-mente. Pergunte pras vaginas se elas sabem do que se trata isso. Desconhecem absolutamente... Sim, como eu ia dizendo, bucetas dão mesmo, dão ali no couro, dão pra homens, pra mulheres e pra homens e mulheres. Bucetas são sempre lisérgicas, fazem em qualquer posição, dentro do banheiro, e adoram uma pegação inesperada; sem essa de pegação em supermercado: “deixa que eu pego pra você”. É pegação pra valer mesmo. Bucetas se tocam e sabem como fazer bem-feito. Elas não se importam se ficarão em uma boca, nas mãos ou em partes não tão inesperadas assim...

Elas são as melhores de ser descritas. E são as mais gostosas de ser comidas. Estou certo de que Marilyn Monroe era uma vagina, um pedaço de sexo ambulante que de tão insatisfeita suicidou-se. Era como as mulheres, inclusive as jovens. Pasmem, as jovens atualmente são ou querem ser: plastificadas, siliconadas, loiras de madeixas lisas; ou seja, mais vaginal impossível. Agora veja Frida Kahlo, uma buceta daquelas! Sensualíssima em plena ausência de padrões estéticos, fundamentalmente conhecedora do seu corpo. Pergunte se ela se maquiava e tinha os cabelos loiros. Pergunte se chorava porque o marido, eventualmente, tinha amantes. Abalou-se com tantas doenças e desgraças? Lutou, trepou com homens, mulheres e homens e mulheres (polissíndeto proposital). Detestava Paris, achava europeus um saco e tinha mesmo era desejo, sexual ou não, e era assustadoramente viva; coisa de que certamente as vaginas morrem de medo.

Bem, espero que, depois de ter entrado e ficado à vontade - e se chegou até aqui é porque soube ser comedido e não fazer (ou soltar) nada antes do tempo -, tenha sentido (que delícia) o que são vaginas e bucetas; e que tenha optado por bucetas, caso essa seja a sua opção sexual, ou orientação, ou vontade de trepar mesmo (porque hoje em dia tudo tem que ser explicado). Vaginas e bucetas são, em fundamento, a mesma coisa. Em repertório, não, são abissalmente diferentes. A idéia é essa: ser uma buceta, perder a classe, abrir o bocão, engolir o que há de melhor da vida e despejar tudo no final, no formato de um belo e sonoro orgasmo, afinal bucetas não dialogam nem conversam, elas são baixa-renda mesmo, bem pão-com-ovo, elas gritam e são as melhores, sempre.

Clitóris - Titãs

Clitóris
Clitóris, Clitóris
Ah! Clitóris
Clitóris
Clitóris, Clitóris
Ah! Clitóris
Genuflexório, ah! genuflexório
Genuflexório, ah! genuflexório
Virgem surja, ah! surja suja
Corpo surja, oh! mente surja imunda
Em cada berço que esse esperma espesso inunda
Em cada fosso que esse gozo grosso suja
Papanicolaou, papanicolaou...

Frida, muito além

Tiago Nery

~ dica/coisinha: ler ouvindo Viva La Vida - Trio Marimbeiros.

Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, Frida Kahlo para o mundo. Com longos e sempre adornados cabelos com flores ou panos, as grossas e unidas sobrancelhas enquadrando olhos sofridos, enormes saias e meias lhe escondiam a perna coxa. Seqüela da poliomielite aos seis anos, que virou trauma. Traços marcantes de um rosto pertencente a um corpo, um templo sofrido, desgastado por doenças e devotado a apenas um homem: Diego Riviera.

Essa pintora mexicana de obra singular, corrida junto com a sua vida, de traços firmes e por vezes desproporcionais, tem pintura forte, que choca. Há os que a enquadrem como surrealista; definição equivocada. Ela não fugia à realidade em momento algum, não pintava sonhos, pintava vida. Sempre dura e cruel com as doenças, acidentes, traições e eventuais prazeres. A angústia e a dor - o prazer e a morte, não são mais que um processo de existir, disse Frida. Uma mulher de cores e dores, mestiça liberta de si, muito além da época que viveu, dessa época, e presa à sua terra.

Os quadros de Frida são vida e pronto. São fases e faces, pintar completou o viver. Pinto-me por que estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor, afirmou ela. Em uma obra de grande vigor, Frida aparece com o rosto adulto e corpo de criança, sendo amamentada por uma ama. A ama é uma índia nua da cintura pra cima, seu rosto não tem expressão, é uma máscara e de uma das suas mamas sobressaem os canais do leite com ela a sugar. O que há de mais surpreendente é a falta de contato, de emoção entre ela e a ama, contratada especialmente para amamentá-la por conta do nascimento de sua irmã quando ela tinha 11 meses o que a deixou revoltada.

Prefiro não me entreter com títulos ou adjetivos, seria mera definição, limitações de certo. Frida inspira total e completa ausência de padrões, sejam eles estéticos, morais, sociais, etc. Ela que na adolescência pertenceu a um grupo insolente, o orgulho era se apresentar em roupas masculinas. Ela ultrapassa o moderno, torna-se pós-moderna antes da própria chegar, um paradoxo constante. Logo, enquadrá-la como feia, bissexual ou qualquer estereotipo preconceituoso e preso a valores certamente questionáveis, seria um terrível equivoco.

Amor, definido por Picasso como o maior energizante da vida. “Estribe-se no amor e tudo será possível”, Santo Agostinho. Já Florbela Espanca nesse momento parece escrever para ela: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde estar, que tem saudade... Sei lá de quê.”